Por: Lothloriana
“O processo criativo
democrático, não autoritário.”
Recentemente publiquei dados
gerais e públicos da TGC, mostrando o que ela é por fora daquelas portas de vidro.
Em entrevistas recentes à portais chineses, podemos ter um vislumbre do que há ali
dentro por meio das palavras do diretor criativo e CEO, Jenova Chen.
O pensamento do CEO é
proteger os ideais iniciais da empresa. “Como a cultura da nossa empresa é
muito diferente da de uma empresa de jogos AAA, eu a aprecio assim. Mas se um
dia a empresa ter que se tornar centenas, milhares de pessoas, como podemos
proteger essa intenção original?”
De acordo com o site da
equipe da empresa, bem como seu Linkedin, a grande e ousada [pretenciosa?] missão
da TGC é criar entretenimento atemporal que cause mudanças positivas na psique
humana em todo o mundo. Ela espera mudar a indústria de videogames com esse
processo, para que outras empresas abordem os videogames como um "meio
criativo" em vez de um produto de massa. JC não pretende que a TGC faça
"jogos de grande orçamento e sucesso de bilheteria", pois acredita
que a pressão financeira sufocaria a inovação. Eles querem elevar os jogos como
uma forma legítima de arte e criar jogos verdadeiramente inovadores por meio de
experimentação, colaboração e perfeição.
Entrevistador: Ouvi dizer
que depois que você conseguiu o investimento necessário para a TGC, você também
foi ao fundador da Pixar Animation para ser consultor.
JC: O
desenvolvimento do Sky foi uma luta, mas sua visão se encaixou com os
investidores, que ofereceram US$ 160 milhões em capital de risco, com o
cofundador da Pixar, Edwin Catmull.
Chen diz que seu discurso
para os financiadores foi simples: os jogos são feitos principalmente para os
interesses estereotipados dos meninos, e alguém precisa começar a fazer jogos
de "quatro quadrantes" que atraem meninos, meninas, homens e mulheres
ao mesmo tempo.
Com isso em mente, Jenova
Chen diz: "Olhe para a Pixar. Por que uma empresa como essa não
existe na indústria de jogos? Eu quero fazer esse sucesso comercial. Mesmo que
não seja eu quem acabe me tornando aquela Pixar, alguém vai fundá-la no futuro.”
Entrevistador: Então você
quer que a empresa seja mais "Pixar"?
JC:
Sim. Acho que o heroísmo individual tende a tornar a cultura da empresa muito
tóxica. Dessa forma, grande parte da energia de todos não estará focada no projeto.
Esse “heroísmo individual”
faz parte de uma cultura de trabalho muito visto, e que em produções
audiovisuais é comumente representado pelas animações da Disney, no qual vemos
o protagonista passar pela chamada Jornada do Herói, seus méritos são
individuais, o que voltado ao ambiente de trabalho pode gerar competição e mal-estar.
JC: A
Pixar e a Disney têm culturas diferentes. A Disney presta atenção ao heroísmo
pessoal, e todos estão se exibindo, provando que este filme é bom por minha
causa, e pessoas realmente boas podem ganhar muito dinheiro. Mas entre as
pessoas, muitas vezes é uma relação competitiva, porque ajudar os outros
significa apenas aumentar o bônus da outra parte.
Mas na Pixar, todos estão
ajudando uns aos outros “se você não puder fazer isso, eu vou ajudá-lo”, e
ajudar os outros também contará como parte do desempenho.
Sobre o que Jenova Chen
está falando?
A Pixar Animation
Studios, comumente conhecida como Pixar, é uma empresa líder de animação, este
estúdio icônico tornou-se célebre por produzir filmes de animação aclamados
pela crítica e de alta bilheteria, como "Toy Story", "Procurando
Nemo", "Os Incríveis" e "Divertida Mente". A Pixar
consolidou sua posição como pioneira na indústria cinematográfica de imagens
geradas por computador (CGI). Fundada em 1986 com apoio significativo do
cofundador da Apple Inc., Steve Jobs. Adquirido pela Disney em 2006 por US$ 7,4
bilhões.
Foi criada e é presidida
por Edwin (Ed) Catmull, que atualmente também preside Walt Disney
Animation Studios e LucasFilm, estúdio da franquia Star Wars. Ed escreveu um
livro chamado Creativity Inc., sobre como manter a cultura criativa da
Pixar e, por tantos anos. Neste livro, Ed apresenta a metodologia Braintrust (cérebro
de confiança), que surgiu de forma espontânea e se tornou essencial para o
processo criativo dos filmes da Pixar. É como uma reunião de brainstorm (reunião
de desenvolvimento de ideias coletivas) diferenciado.
De acordo com Ed, nessa
organização “todos estão totalmente empenhados em ajudar os outros a fazer
o melhor trabalho”.
Além disso, Ed Catmull
elencou 3 pilares responsáveis pelo sucesso da gestão de
inovação da Pixar em encantar clientes: Foco nas pessoas, depois nas
ideias; Criação de uma cultura interativa entre as pessoas; Definir
seu estilo de liderança e coordenar junto à equipe.
Como resultado, sua
organização ganhará uma equipe alinhada, engajamento com as ações internas e
externas, além do orgulho em fazer parte do seu time. Em última análise, seu
objetivo é tornar o processo criativo democrático, não autoritário.
Como funciona o
Braintrust?
O Braintrust é uma sessão
síncrona (ao vivo e preferencialmente presencial) com um grupo de pessoas de
diferentes hierarquias e grupos da empresa, que se reúne periodicamente para
discutir ideias e dar feedback umas às outras, e busca melhorar o trabalho em
equipe e, consequentemente, a qualidade dos projetos. Afinal, trabalhar com
criatividade exige muito mais do que o operacional, mas também, novas
experiências, vivências, feedbacks e confiança. As reuniões se baseiam
apenas em sugestões, ou seja, o profissional pode ou não aceitar as opiniões. O
Braintrust exige maturidade, humildade e empatia. É a técnica do
feedback aplicada na sua forma mais elevada.
Os princípios do
Braintrust:
- Todos estão no mesmo barco: todos
compartilham a mesma paixão e interesse pelo projeto
- Honestidade brutal: todos
são encorajados a dar feedback honesto e crítico, sem medo de ofender ou
ser ofendido
- Foco no objetivo: o
objetivo final é o melhor resultado para o projeto, e não o ego, em
parecer bem para os chefes, ou a opinião de cada indivíduo
- Sem hierarquia ou autoridades: a
pessoa apresentando não precisa seguir nenhuma das sugestões específicas
dadas. Cabe a ela descobrir como lidar com o feedback.
Todas as etapas do
processo de produção são valorizadas dentro da Pixar. As equipes criativas e de
tecnologia são simplesmente não é permitido aperfeiçoar ideias antes de
compartilhá-las. A colaboração é fundamental e permite que a Pixar faça
decisões mais rápidas, experimentando ideias antes de passar para a próxima. Os
funcionários devem se sentir confortáveis com a perspectiva de sua ideia ser
descartada ou desenvolvida. Igualmente, depois de cada filme, as equipes se
reúnem para fazer um 'brain dump', discutindo quais áreas podem ser melhoradas
e quais funcionaram bem. Esse tipo de autoanálise e crítica aberta leva a Pixar
a continuar se desenvolvendo. E uma grande proporção dos recursos da Pixar é
colocada no bem-estar e desenvolvimento de sua equipe.
Voltando às entrevistas
dadas por Jenova Chen sobre o funcionamento da TGC.
Entrevistador: Mas muitas
grandes empresas incentivam as “corridas de cavalos” e a competição interna.
JC: O problema central é que, depois que o crescimento de uma grande empresa é muito rápido, as pessoas da equipe não estão altamente conscientes o suficiente e não estão dispostas a fazer as coisas sem incentivos. Mas as pequenas empresas são diferentes, e aqueles que estão dispostos a ir para novos territórios são, na verdade, pessoas altamente conscientes. Steve Jobs disse que se você contratar uma pessoa medíocre, quando ela entrar na gerência, ela só contratará pessoas piores do que ele, e toda a empresa acabará com um nível baixo. Portanto, na Pixar, incluindo a Apple, há uma regra não escrita: a empresa não pode crescer muito e a equipe principal deve ter menos de 100 pessoas. Até hoje, o número de pessoas na animação da Pixar não ultrapassou 2000 e o Steam não ultrapassou 300. E éramos apenas 160.
Entrevistador: Que
insights importantes você aprendeu [com Ed Catmull]?
JC: Ed me disse que havia um dos veteranos mais experientes em sua empresa, John Lasseter, e que os jovens não se atreveriam a fazer nada com ele. Mas se os jovens não falarem o tempo todo, a cultura da empresa mudará. Portanto, eles tinham uma regra não escrita de que John não deveria ter permissão para falar 15 minutos antes de cada reunião. Muitos dos novos estagiários são realmente muito atenciosos, e a Pixar também providencia para que eles participem de algumas reuniões.
Então...
Resumindo o que sabemos
sobre a TGC:
- Prezam pela experimentação e a liberdade da arte acima de crescimento. Pensando nisso sua técnica de produção criativa é de Braintrust;
- Visam manter a tradição junto à inovação, [como é o lema do mercado Chinês] e com isso segue tentando manter o menor número de funcionários.
Não estamos tão por
dentro da TGC para saber como são aplicados, de fato, os métodos da Pixar. Mas podemos
ver os resultados. Por mais que a empresa traga inovação e esteja conseguindo
se estabelecer bem no mercado, com bons lucros, como já falado em outro post, é
interessante pensar o que poderia dar ou estar dando errado. Algum tempo atrás,
no Reddit, foi exposta uma avaliação de um ex-funcionário da empresa, e então
eu sugiro você relembrar como Ed Catmull descreve seus 3 pilares de organização
e como funciona o Braintrust. É apenas um ponto de vista, mas que casa com
a realidade dos resultados que vemos do lado de fora, bem como as ideias Pixar.
Observação sobre o Conselhos
à Gestão: A expressão C-suite (ou C-level) refere-se ao grupo de
executivos de mais alto escalão em uma organização. O "C" vem de Chief,
o título de várias posições de liderança, como Chief Executive Officer (CEO), Chief
Financial Officer (CFO), Chief Operating Officer (COO), entre outros. Esses
cargos são geralmente os responsáveis por tomar decisões estratégicas de alto
nível e supervisionar a operação da empresa. E endereço acima “address above”
é uma expressão inglesa para dizer que não quer ser redundante, que as questões
já foram tratadas no texto acima.
Para ver a discussão mais completa no reddit com as fontes,
segue Amidst the incompetence of TGC
fixing bugs, I checked out the Glassdoor reviews on TGC : r/SkyGame
Apesar disso o Braintrust
é uma interessante metodologia, que se eu soubesse da existência nos meus
grupos de pesquisa da faculdade, eu teria dado uma chance de colocar em
prática. Para saber o passo a passo deixo o link Braintrust
da Pixar: sessões de feedback mais enriquecedoras e seguras | by Laís Lara
Vacco | UX Collective 🇧🇷. Também há
uma palestra do próprio Ed falando sobre o livro Creative Inc. https://youtu.be/ffixfwt654I.
E pra fechar esse post,
eu deixo uma fala que me deixou pensativa, vinda da pessoa mais citada aqui, a
qual Jenova Chen e a TGC levam em consideração, Ed Catmull: "Você não é
sua ideia e, se se identificar muito com suas ideias, ficará ofendido quando
desafiado".
Entrevistas mencionadas
ao longo do texto:
Diálogo com Chen
Xinghan: No passado, posso ter ficado um pouco "zangado".